A oferta de materiais de construção ecológicos é hoje mais diversificada e aumentou o interesse dos consumidores pela sustentabilidade. Mas o futuro passa também pela “desconstrução”, com matérias-primas e técnicas construtivas pensadas para a reciclagem e reutilização.
O Portal de Arquitetura e Construção Sustentável tem mais de uma década, mas Aline Guerreiro, arquiteta e fundadora do projeto, aponta a inflexão da tendência para um período bem mais recente. “Nos últimos dois anos, notámos uma significativa diferença de atitude, pela positiva, até por causa das diretrizes europeias”, explica. A oferta de materiais de construção mais sustentáveis, aplicáveis em novos edifícios e também na requalificação, diversificou-se. E a ideia de “desconstrução” começa a dar os primeiros passos, através da utilização de materiais e técnicas construtivas pensadas para ir além do tempo de vida no edifício – escolhendo materiais como o alumínio, indefinidamente reciclável, ou optando por fixar coberturas sem as colar, possibilitando a futura reutilização ou reciclagem. “O caminho é esse”, garante a arquiteta.
Os conceitos não são novos, mas é crescente a aposta na arquitetura bioclimática, em construções modulares e em soluções mais eficientes, em termos de energia, consumo de água e pegada carbónica dos materiais. São exemplo disso as “casas passivas”, conceito criado pelos alemães Bo Adamson e Wolfgang Feist, cuja investigação levou à construção da primeira Passivhaus, em 1991, em Darmstadt, na Alemanha, e à criação de uma certificação reconhecida internacionalmente.
Um projeto de “casa passiva” é pensado desde o início com vista à sua sustentabilidade. “Cada modificação implica novos cálculos, para confirmar o bom comportamento térmico da casa e a obtenção da certificação. Temos de antecipar todas as situações, para evitar pontes térmicas, otimizar o isolamento, pensar a ventilação a duplo fluxo e otimizar os ganhos solares. Existem poucos projetos certificados em Portugal (menos de 10), mas este número irá subir, há muitos projetos em preparação”, garante Antoine Lesecq, “manager” da Smarthouses Portugal, empresa que se dedica à construção de casas ecológicas, incluindo “casas passivas”.
O otimismo de Antoine é partilhado por Telmo Faria, que em 2012 abriu o Hotel Rio do Prado, em Óbidos. Aponta a sustentabilidade como prioridade e segue os princípios da arquitetura bioclimática. Até por uma questão pragmática: “Houve um aumento da procura e da produção, e os preços baixaram.” Optar por painéis fotovoltaicos ou bombas de calor para o aquecimento de água é hoje muito mais barato. “Há 10 anos, instalámos 20 painéis fotovoltaicos. Hoje, pelo mesmo valor, instalaríamos 100”, dá como referência.
Além das soluções para reaproveitar águas pluviais, a instalação de uma ETAR que permite o tratamento das águas da banheira e lavatório, águas cinzentas, não sanitárias, é outro exemplo. “Já se consegue fazê-lo por quatro ou cinco mil euros, com instalação”, garante. No Rio do Prado existem fontes de água reciclada, utilizada para rega e outros fins, a par das fontes de água potável. “Chegamos a poupar 30% na compra de água”, estima o proprietário.
A redução da amplitude térmica através das coberturas de 40 centímetros de solo e vegetação – imagem de marca do hotel – facilitou o controlo da temperatura nos interiores e contribuiu para reduzir a fatura da eletricidade. Houve também a preocupação de recorrer a materiais reciclados na decoração: as portas e as molduras dos espelhos foram criadas a partir de resíduos das madeiras da construção e os tapetes feitos com sobras de tecidos. “A estratégia baseia-se na ideia de economia circular.”
Reabilitação
As dificuldades aumentam quando em causa está uma reabilitação. “Não podemos modificar a orientação da casa, o dimensionamento das janelas, temos de aceitar a realidade da construção existente…, e algumas vezes, com uma construção de baixa qualidade, é difícil corrigir os erros e transformar a casa num projeto certificado Passive House”, explica Antoine Lesecq. Mas “existem sempre alternativas de otimização. Podemos trabalhar sobre o isolamento e a estanquidade da casa, instalar um sistema de aquecimento eficiente (tipo bomba de calor) ou prever uma ventilação duplo fluxo para melhorar a eficiência energética da casa”, explica.
Para Aline Guerreiro, esse é o grande desafio de futuro. “A atitude mais sustentável é tornar mais eficientes os edifícios já existentes. Essa é a minha luta”, afirma. A arquiteta considera que a situação melhorou com o crescente interesse dos particulares, o aparecimento de novos materiais, nomeadamente de isolamentos em cortiça e lãs naturais, e também com o lançamento de incentivos como o Fundo Ambiental, que comparticipa obras para melhoria da eficiência energética dos edifícios. Mas é preciso ir mais longe. “O Fundo Ambiental é importante por já obrigar a algumas escolhas de materiais, mas continua a permitir, por exemplo, a instalação de caixilhos em PVC, material plástico, à base de petróleo, que implica a emissão de imensos gases poluentes. Sustentabilidade é muito mais do que poupar energia”, explica.
Nem sempre é avaliado o ciclo de vida do material aplicado – “a esferovite permite um bom isolamento e é barata, mas degrada-se e deixa rapidamente de cumprir a sua função” – e a ideia de desconstrução também não está ainda interiorizada. “Em países como a Dinamarca já existem edifícios 100% reciclados, há imensos bancos para promover a reutilização de materiais de construção e as taxas de depósito em aterro são altíssimas”, exemplifica. “As autarquias, quando aceitam projetos de licenciamento, deveriam também adicionar um caderno de desconstrução”, defende.
Soluções de pequena escala
Malik Rajabali defendeu em 2020 uma tese de mestrado na Universidade Católica do Porto sobre práticas de gestão ambiental em hotéis de quatro e cinco estrelas na região de Lisboa. Os inquéritos realizados permitiram-lhe aferir que a motivação para a mudança foi justificada em 60% pelo desejo de melhoria de performance, em 20% para satisfazer o cliente e em 20% por responsabilidade ambiental. A realidade mostrou-se conservadora. “Não são hotéis novos e foram-me reportados vários problemas, relacionados com os custos elevados e o retorno demorado, ou com a falta de fornecedores e materiais. A pressão dos consumidores existe, mas ainda não tem um peso que justifique investimentos avultados”, explica.
As alterações são de detalhe, mas têm a vantagem de poderem ser aplicadas em qualquer casa. A saber: instalação de lâmpadas LED e sensores de iluminação, isolamento de janelas preexistentes, aposta em equipamentos elétricos de classe A, instalação de painéis solares ou fotovoltaicos, autoclismos com cargas diferenciadas e redutores de caudal nas torneiras, além da natural separação de resíduos e adoção de políticas “paper less”, reduzindo as impressões ao mínimo. No mercado, começam também a surgir outras possibilidades, algumas de simples instalação, como lavatórios com descarga direta para a sanita, ou sistemas instalados na banheira que permitem que a água do chuveiro (re)circule, evitando o desperdício inicial.
In “Wekeend, Jornal de Negócios” 24 de Setembro de 2021