Rendimentos baixos e receio de perder a casa levam portugueses a viver em habitações sem condições
O Portal da Construção Sustentável (PCS) apresenta o seu 1º inquérito sobre o “estado da arte” na habitação em Portugal. Trata-se de um estudo realizado entre 21 de setembro e 6 de novembro de 2023 e que teve como objetivo perceber como se sentem os portugueses em relação à sua habitação. Perceber se a maioria dos portugueses possui casa própria ou arrendada, e sendo arrendada, como suportam os custos. Se irão conseguir manter a mesma ou se terão que procurar alternativas mais económicas.
Para além disso, o PCS quis também analisar em que condições vivem os inquiridos e se as habitações, próprias ou não, apresentam boas condições de habitabilidade ou se, por outro lado, precisam de obras de melhoria ou mesmo de reabilitação.
A maioria dos entrevistados reside no distrito de Lisboa, seguido do Porto e Setúbal. O distrito de Bragança foi o que obteve um menor número de participantes. Neste estudo foram também auscultados residentes nas Regiões Autónomas da Madeira e dos Açores. Foram entrevistados indivíduos entre os 35 e 65 anos. Sendo que a predominância de respostas se situou entre os 35 e os 45 anos.
Neste estudo, analisando os níveis de rendimento, é possível verificar que o agregado familiar que vive em casas arrendadas aufere um menor rendimento, entre os 700€ e os 900€, em relação àqueles que possuem casa própria. Já aqueles que auferem acima de 900€ até 3000€ possuem, na sua maioria, casa própria.
É possível constatar, nesta amostra, que o valor das rendas se situa entre 200€ e 600€ e o das mensalidades de empréstimo ao banco, para pagar a casa própria, entre 400€ e 600€. O que significa que haverá em muitos casos, um esforço financeiro grande por parte dos agregados para manterem os seus compromissos contratuais.
Além disso, o valor das rendas não se apresenta compatível com o rendimento médio dos portugueses que, neste estudo, se situa com um rendimento de agregado familiar, numa percentagem de 33,3%, entre 700€ e 1200€. Da percentagem de inquiridos que vivem em casas arrendadas, em Portugal Continental e Ilhas, são quase75% aqueles que têm receio de não ver o contrato de arrendamento renovado. E são quase 66%, aqueles que, em breve, terão de encontrar uma casa com renda mais baixa.
No que toca ao pagamento de empréstimos, 49% dos entrevistados dizem ter possibilidade de continuar a cumprir o compromisso, contudo há 13% dos inquiridos que estão em vias de deixar de pagar o empréstimo, e consequentemente perder a casa onde vivem. Já para a maioria de famílias portuguesas que têm a casa paga, esta constitui o único e mais importante ativo, a sua maior riqueza, fruto de uma poupança acumulada ao longo de anos de muitos sacrifícios.
Quanto às questões de habitabilidade, quando interrogados sobre se a habitação onde vivem necessita de obras, quase 70% diz ter problemas na habitação relacionados com questões de obtenção de conforto térmico. Trata-se de casas quentes no verão e frias no inverno, com janelas que não vedam corretamente, com bastante humidade, entre outros problemas.
Contudo, a maior parte dos que dizem ter problemas de conforto térmico e afins, 71% refere que não vai realizar obras e vai continuar a viver assim. A justificação prende-se com questões relacionadas com a falta de dinheiro ou porque não conseguem financiamento para tal.
Conclui-se que, apesar do Governo ter lançado desde 2020, apoios financeiros para que os portugueses possam tornar as suas “casas mais sustentáveis”, e apesar de até já serem conhecidos por pouco mais de 50% dos inquiridos, estes não estão a ser aproveitados. Ainda assim, 43% dos inquiridos não tem conhecimento destes apoios.
Os portugueses, apesar de terem casas termicamente desconfortáveis, vão continuar a viver com este desconforto. Em 2018, num estudo coordenado pelo Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana (IHRU) sobre o Levantamento Nacional das Necessidades de Habitação, pode ler-se que “25.762 famílias estão em situação de habitação claramente insatisfatória”. Ora esta insatisfação está grandemente relacionada com as condições de conforto térmico. Os dados da Estratégia Nacional de Longo Prazo para o Combate à Pobreza Energética 2022-2050 revelam que entre 1 milhão e 2 milhões de portugueses vivem em situação moderada de pobreza energética e cerca de 700 mil numa situação severa. Significa isto que não conseguem manter uma temperatura de conforto dentro de casa.
No inquérito realizado em 2023 pelo PCS, sobre as condições de conforto térmico dos portugueses, foram apenas 11% dos inquiridos que assumiram viver numa casa confortável. E, para melhorar as condições de conforto térmico em casa, 60% dos portugueses disse gastar “mais do dobro da energia” na estação fria. Aliás, no mesmo inquérito, a maioria dos portugueses assumiu ter passado mais frio em casa, devido ao aumento do custo de energia, por não ter dinheiro para fazer face a este custo e manter a casa aquecida. Foram mais de 60% os que admitiram passar frio, para não gastar o dinheiro que não têm. E, daqueles que passam frio em sua casa são 16% aqueles que recorrem a mais roupa para se aquecer em detrimento de equipamentos, porque consomem energia e aumento as despesas no final do mês.
No presente estudo, o PCS quis também saber a opinião dos participantes sobre a suposta “falta de casas em Portugal”. Constatou-se que 70% considera que em Portugal há muitas casas disponíveis, o problema é estarem a preços insuportáveis para os ordenados que se praticam.
«Convém lembrar que Portugal possui um vastíssimo património edificado que abre grandes possibilidades à reabilitação, uma vez que muitos edifícios carecem de intervenção. Há casas, não estão é em condições de serem habitadas. Pois, nem as habitadas estão!», refere Aline Guerreiro.
A preservação e reabilitação de património, mostra os progressos que a humanidade teve ao longo dos anos e como se foi adaptando à vida dos grandes centros urbanos. E a reabilitação de edifícios deve ser vista como uma das principais formas de sustentabilidade do setor da construção, como aliás, já é considerado no resto do mundo, principalmente nos países mais desenvolvidos. A reabilitação produz menos resíduos em relação a uma nova construção, não existindo necessidade de impermeabilizar mais solo, podendo existir reaproveitamento de materiais e mantendo a zona urbana conservada.
«É claro que é crucial acelerar os licenciamentos e dinamizar o mercado de arrendamento, mas mais importante ainda é aumentar a oferta em todos os segmentos do mercado residencial, sobretudo para as classes mais baixas. É urgente criar incentivos à melhoria das condições de edifícios existentes, que resultem numa efetiva melhoria dos edifícios, especialmente em termos térmicos. Os resultados deste inquérito revelam acima de tudo, que os portugueses possuem rendimentos muito baixos, e para manterem as suas casas, vivem em situação de desconforto», conclui Aline Guerreiro.