RESUMO
Por Aline Guerreiro, arq e Carmen Lima, engª do ambiente
Quando um edifício chega ao fim do seu ciclo de vida, é fundamental priorizar uma intervenção por forma a privilegiar o aproveitamento dos materiais e equipamentos reutilizando-os em outras aplicações e locais, prevenindo desta forma a sua classificação enquanto “resíduos”. Esta intervenção classificada enquanto desconstrução, permite ir intervencionado o edifício, camada a camada, garantindo a sua descontaminação e recuperação dos materiais para reutilização e identificar os resíduos passíveis de reciclagem ou valorização.
O edifício Jardim possui na sua constituição uma variedade de materiais passíveis de serem reutilizados na sua função original, contribuindo para a redução da produção de resíduos. Contudo, mercados e usos para alguns materiais devem ainda ser estabelecidos para que se tornem materiais fáceis de vender, como madeiras, metais, cantarias, janelas, puxadores, portas, etc. E há duas grandes questões que precisam ser amadurecidas no mercado de materiais em 2ª mão para que a revenda seja bem-sucedida: o custo e a distribuição.
A venda de materiais da desconstrução pode ser pensada de várias formas, inclusivamente, pode ocorrer no local, o que conduz a que as empresas de desconstrução economizam tempo e dinheiro necessários para transportar materiais para outro local. A venda de materiais no local, mesmo antes do início da desconstrução, permite que a equipa de desconstrução limpe o espaço mais rapidamente e junte as receitas de vendas mais rapidamente. Para materiais que não podem ser vendidos no local, o desconstrutor pode, por exemplo, estabelecer parcerias com empresas de distribuição, como lojas de materiais de construção.
Neste edifício existe uma diversidade de resíduos passíveis de serem encaminhados para reciclagem e valorização, e uma reduzida quantidade de resíduos que terão como operação de destino final a eliminação. Depois de contabilizados todos aos materiais, a percentagem de reutilização/valorização anda acima dos 80%, muitos deles, com retorno financeiro. Por outro lado, este estudo no caso em particular, foi fundamental, na medida em que estão sinalizados os materiais perigosos, nomeadamente aqueles suscetíveis de possuir amianto na sua constituição, um diagnóstico aos mesmos permitiu determinar com exatidão aqueles cujas fibras foram incorporadas, garantindo um encaminhamento segregado para destino final, por entidade especializada no manuseamento deste tipo de substância.
Neste sentido, a adequada triagem em obra, segregação e encaminhamento separado de cada fileira de resíduo permitirá, no mínimo, uma poupança direta de 20% do valor associado à gestão de resíduos com a separação dos materiais em obra, em vez de serem encaminhados todos juntos, obrigatoriamente, para operadores licenciados, onde seriam sujeitos a uma triagem em unidade dedicada. Com esta análise, comprova-se os benefícios ambientais e financeiros associados à triagem dos resíduos em obra, de acordo com os princípios da economia circular aplicados à construção. Sem falar na posterior revenda dos materiais reutilizáveis tais quais estão.
Mas, o sucesso dos mercados de materiais em 2ª mão depende da procura por estes materiais e produtos e da capacidade de desviar materiais residuais dos aterros. Em Portugal não são conhecidos locais físicos de venda de materiais de construção em 2ª mão. A plataforma existente online para obter e vender materiais de construção usados é pouco divulgada e os utilizadores são séticos em usar este tipo de materiais que não tem marcação CE, ou não oferecem quaisquer garantias de materiais em 1ª mão. A desconstrução está ainda numa fase completamente embrionária, já que nenhum dos edifícios existentes em Portugal foi construído para que um dia possa vir a ser desconstruído. Por outro lado, este propósito implica um alto grau de exigência na separação dos componentes de um edifício.
É que, no limite, um edifício desconstruído resultaria num monte de materiais e componentes ao nível da sua forma original antes da construção. E não é prático para o projetista a abordagem de desconstrução em todo o nível do edifício, para dar um exemplo: uma janela pode ser obsoleta no momento em que o edifício é desconstruído e, lamentavelmente, pode ser indesejável para reutilização do ponto de vista do mesmo projetista ou do consumidor.
Há que educar o consumidor comum para a reutilização de materiais de construção, através de, por exemplo, aplicações online e plataformas de distribuição destes materiais… Infelizmente, a perceção do consumidor de materiais de construção usados tem uma forte influência sobre a viabilidade da desconstrução enquanto esta não for uma necessidade absoluta!