No portal do INE, pode ler-se “no segmento de habitação familiar, os fogos licenciados em construções novas cresceram 7,5% no terceiro trimestre de 2023 (+0,5% no 2º trimestre) enquanto os fogos concluídos aumentaram 9,9% (+11,1% no segundo trimestre de 2023)”, ou seja, não há falta de edifícios. Há é falta de edifícios em condições de habitabilidade e é sobre estes que é necessário intervir, uma vez que a nova construção não está a responder às necessidades habitacionais da classe média e dos jovens em início de vida.
Por outro lado, a aplicação da tão “aclamada” economia circular pode reduzir significativamente as emissões poluentes associadas ao setor da construção. É uma questão importante porque este setor é responsável por mais de 40% do consumo de energia primária na Europa e por 36% da pegada de carbono europeia (Eurostat, 2020). Mas, para fazer face a este problema, a abordagem tradicional apenas se tem baseado na aplicação de estratégias de eficiência energética capazes de reduzir significativamente o consumo de energia durante a utilização dos edifícios. Mas não é só de eficiência energética de que o setor precisa.
O setor da construção é responsável, direta e indiretamente, por cerca de 40% das emissões globais de CO2 relacionadas com a energia (PNUA 2020). Dessas emissões totais, os edifícios são responsáveis por 28%, anualmente, enquanto os materiais de construção e a construção como atividade, são responsáveis por mais 12% anualmente (o chamado carbono incorporado). Ou seja, é crucial combater as emissões também na fase prévia à construção do edifício e não só durante a sua utilização. O carbono incorporado são todas as emissões associadas às atividades de aquisição: extração de matérias-primas, transformação dessas matérias em produtos de construção, transporte para o local e incorporação num edifício e, subsequentemente, manutenção, substituição, remoção e eliminação no final da sua vida útil. E nada melhor do que reabilitar o existente para eliminar estas emissões.
É por aí o caminho a seguir. Num recente estudo do Portal da Construção Sustentável é notório que os baixos rendimentos dos portugueses não lhes permitem melhorar as condições de habitabilidade de suas casas e muito menos mudar de casa. É claro que é crucial acelerar os licenciamentos e dinamizar o mercado de arrendamento, mas muito mais necessário é aumentar a oferta em todos os segmentos do mercado residencial, sobretudo para as classes mais baixas e jovens. É urgente criar incentivos à melhoria das condições de edifícios existentes, não só pela necessidade que impera no País, mas também pelo necessário caminho que augura o setor da construção, de uma maior sustentabilidade.
Os edifícios devolutos do Estado, que permanecem em mistério, poderiam ser reutilizados para habitação, com princípios de circularidade, desde logo porque se está a reutilizar uma infraestrutura existente. É que não basta falar em “choque” habitacional e em “circularidade” do setor, sem ações efetivas. Há anos que o foco no setor da construção tem sido a redução do consumo de energia nos edifícios, mas isso não é suficiente se quisermos cumprir os ambiciosos objetivos do Acordo de Paris, quando um terço das emissões de CO2 dos edifícios provém do carbono incorporado nos materiais e no processo de construção.
Há que reabilitar o mais possível. Há que pensar a montante nos materiais empregues, priorizando a reutilização e reciclagem dos edifícios existentes, se queremos contribuir para a não ocorrência de estados climáticos severos, como os que ocorreram recentemente no Dubai.
Em Portugal, a grande necessidade antes de construir novo, é criar condições de habitabilidade nos edifícios existentes e priorizar a reabilitação de edifícios devolutos. Sendo esta, a ação mais correta no caminho da descarbonização do setor e da economia circular.